04 maio, 2006

O ÔNIBUS



Quando criança, morava no subúrbio carioca e adorava viajar de ônibus junto com parentes e amigos em ocasiões de passeio ou mesmo em idas ao centro do Rio por qualquer motivo, sendo na maioria das vezes para consultas médicas ou visitando alguém doente nos hospitais da rede pública. Eu me sentia seguro, tendo os parentes, amigos e conhecidos por perto interagindo alegremente. Via gente entrando e saindo do ônibus, ocupando os lugares vazios perto de mim ou lá no fundão.Via o mundo novo e estranho em companhia familiar que me explicava as muitas dúvidas que surgiam a todo momento. Assim o mundo ficava menos estranho e perigoso.
Com o passar do tempo, e a essa altura da vida, cheguei à conclusão que a nossa vida é como um constante viajar num ônibus. No início da viagem você entra nesse ônibus com seus pais, avós, irmãos, tios, primos, amigos e conhecidos. Eles estão perto de você e vão lhe ensinando os mistérios da vida, sempre lhe respondendo suas questões sobre o que é isso e aquilo que passa pela janela do ônibus. Como se comportar na vida (não botar a cabeça ou o braço pra fora da janela do ônibus, por exemplo), o que é adequado ou bizarro em seu comportamento.
Mas não somente pessoas conhecidas se encontram no ônibus. Muita gente estranha já estava lá antes e aos poucos você se acostuma com sua presença em “background”, mesmo que não interaja diretamente com elas. Pessoas saem e pessoas entram na sua vida, como no ônibus nos pontos de parada, e isso é normal, é natural. Você lamenta uma saída e se regozija com um novo conhecido, num permanente troca-troca de lugares. A certa altura da viagem você nota que as pessoas que estavam lá no início de sua viagem, que faziam parte do seu círculo próximo de relacionamento, já se foram (o vovô, aquela tia velha, o vizinho chato da frente,.....) e essa dinâmica não pára nunca. Às vezes sai alguém que acabara de entrar, numa surpreendente quebra do fluxo natural. Surpreende-se com a notícia da morte de um artista de Hollywood, de um político, de um cantor nacional, de um apresentador de telejornal, enfim, de alguém que há muito não ouvia o nome, mas que lhe traz, momentaneamente, recordações de uma fase da vida, de um trecho qualquer do percurso do ônibus. E ele segue trocando seus passageiros a cada parada, independente da sua vontade. A vida segue e agora você é quem explica o que é isso ou aquilo para o filho, o sobrinho, o amigo recém-chegado, de quem entra e senta perto de você. De quem entra em seu circulo de relacionamento ou de quem simplesmente vai lá pro fundão.
E o ônibus da vida vai, nos seus percursos intermináveis, trocando os passageiros, e você testemunhando esse entra-e-sai, essa dança das cadeiras, enquanto estiver lá.
Até quando chegar a sua vez de também desembarcar e ser, então, somente uma lembrança para os que continuam a viagem do ônibus.

SERGIO BARACHO
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