25 maio, 2010

A Cartinha do Tio Nestor

Já no final da carreira militar, em 2003, fui servir no Rio e morei na vila dos oficiais no Campo dos Afonsos. Lá conheci um Tenente-Coronel, de nome Luís Jorge, que foi meu vizinho e serviu comigo na Ilha do Governador, na Diretoria de Material Bélico. Como todos os militares da família o meu nome de guerra sempre foi BARACHO. Ora, a esposa desse meu colega, certamente ouvindo-o falar o meu nome por quase seis mêses, um dia me procurou e me contou uma história digna de um folhetim e que passo a narrar.


Primeiramente quis saber se eu conhecia e era parente de um senhor Baracho, que era eletricista e que se chamava Nestor. Eu disse que sim, mas que efetivamente não o conheci, pois não me recordava das suas feições, mas que era meu tio sim e que já morrera havia muitos anos! Ela então me disse que possuía uma carta escrita por ele à sua mãe, Léa, por ocasião do casamento desta em 10 de maio de 1947!

Perguntei por que ela possuía tal carta e que importância ela tinha para ser guardada por tantos anos. Ela aí então, abriu um estojo aveludado e me mostrou a carta em letra cursiva escrita em papel fino, em bom estado, na qual ele se desculpava por não ir à cerimônia e desejava felicidades ao casal. Reconheci logo o tipo de caligrafia que era igualzinha à do meu pai. Enfim, era uma carta comum de felicitações, mas cheia de emoção. Nela há referências bíblicas e bênçãos sinceras ao casal. No final, era assinada pelos meus dois tios, Nestor e Isabel. Ela disse que os meus tios eram muito queridos de sua mãe Léa, e que a mesma os tinha em grande consideração. Agora, o que mais me impressionou foi ouvi-la dizer, emocionada, que sua mãe sempre frisava que de todos os presentes que o casal ganhara no dia do casamento, entre roupas, móveis, cristais, jóias, etc. o que sobrara após todos aqueles anos (porque guardada com todo carinho e extremo cuidado) foi a cartinha do tio Nestor.

Ela só me deixou xerocar a carta após muita insistência e exigir também cuidado no manuseio da mesma. Ela disse que a mãe (Léa) a fez prometer guardar a carta como uma jóia familiar, pois acreditava que as bênçãos nela contidas a fizera muito feliz no casamento e na vida, e que também seria assim no seu casamento, o que ela acreditava!

Não conheci bem o tio Nestor e o que sabia dele até então é que fora um grande eletricista. O que realmente importa nesta história é que houve um momento em que ele fez a diferença para alguém a ponto de uma simples carta ser guardada por décadas, como se fora uma relíquia.

Tenho pra mim que a carta do tio Nestor foi escrita com tal carinho e sinceridade ao desejar felicidades ao jovem casal nubente, que deixou impregnada aquela carta com vibrações positivas que perduraram e perduram ainda hoje! Mesmo não tendo comparecido à cerimônia, por algum motivo que nunca saberemos, o certo é que meus tios marcaram a vida da noiva e amiga Léa, através da carta em que lhe desejavam felicidades. Sabe por quê? Ela ACREDITOU no desejo sincero contido na carta e se viu abençoada! Houve, então, uma sintonia entre a bênção desejada e a aceitação plena desses votos de felicidade pela noiva Léa!

Por isso é que, a partir desse dia, quando alguém me deseja Felicidades, Feliz Ano Novo, Feliz Natal, Saúde, Boa Viagem, Boa Sorte, Feliz Aniversário e coisas assim, eu acredito e contabilizo!

Quem sabe se não são sinceros?


Ah, também guardo comigo, embora em cópia xerográfica, a cartinha do tio Nestor!



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21 maio, 2010

Picolés Premiados

Nos tempos do ginásio, lá pelos idos de 1967, havia próximo à praça central do bairro carioca de Marechal Hermes, na rua que vai dar direto ao Colégio José Accioli, uma pequena sorveteria que vendia uns picolés caseiros a Cr$100,00 cada, o que equivaleria hoje talvez a R$1,00. Ora, essa quantia era basicamente o que dispunham muitos alunos para o gasto do dia; dava para o picolé ou uma mariola.
Essa sorveteria era, no calor do verão do Rio, uma parada obrigatória para muitos alunos. Dentre eles meu primo Luiz Antônio (infelizmente falecido precocemente na década de 80) que era um cara muito alegre, criativo e, porque não dizer... um brincalhão de marca maior! Era, porém, muito ousado nas suas brincadeiras.

O seu João, dono dessa sorveteria, para aumentar as vendas, criou uma promoção que consistia em premiar com um outro picolé quem tivesse a sorte de encontrar uma determinada marca, gravada toscamente a fogo no palito, ao acabar de saborear o tal picolé.
Ocorre que o seu João não contava com a astúcia do meu primo Luiz que, não se sabe como, conseguia marcar os palitos iguaiszinhos aos originais. Então, todo dia ele ganhava um picolé extra ao apresentar um palito premiado. Pedimos a ele pra maneirar na sorte, não ir lá todo dia. Que espaçasse mais a premiação pra não dar muito na pinta.
 Mas, qual o quê!
 Após vários dias com aquela "sorte" danada o seu João desconfiou e começou a controlar mais os palitos. Em determinado dia ao apresentar o seu enésimo palito premiado, o Luiz levou o dono da sorveteria à loucura, que o fez correr transtornado atrás do meu primo uns cem metros e que só não o pegou porque o Luiz era bom de corrida em ziguezague e o sorveteiro um pouco “robusto” demais.

Esse foi o fim dos picolés grátis do Luís Antônio e das promoções do seu João, que por vingança, aumentou o preço pra cobrir os prejuízos.

 
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12 maio, 2010

Tiros em Dallas

Nunca esquecerei o dia 22 de novembro de 1963. Sei a data porque era aniversário do meu pai, que completava 50 anos naquele dia. A tarde estava muito quente e ensolarada e eu brincava no portão de casa, descalço e só de calção, como todo moleque de nove anos daquela época.
Aproximou-se um homem numa bicicleta toda enfeitada com flâmulas do Flamengo, fitas vermelhas e pretas saindo das empunhaduras do "guidon". Estava equipada também com dois espelhinhos, um de cada lado. Achei linda a bicicleta. Queria uma assim! Só que com as cores do Fluminense, é claro!
O sujeito vinha ouvindo um rádio de pilhas, “transistorizado” como se dizia. Segurava o aparelho com uma das mãos e dirigia com a outra. De repente ele encostou a bicicleta no meio-fio e mostrou-se surpreendido com o que acabara de ouvir. Olhou pra mim e falou alto:

– Garoto, mataram o presidente Kennedy!

Ele aumentou o volume e pude ouvir o locutor, consternado, que falava em voz alterada do atentado que ceifara a vida do presidente americano. Logo em seguida disse as horas; 15h00min. Não sei porque, mas gravei bem o horário.
Nossa! Isso era importante! Então sai correndo pra contar a novidade para o meu pai, pois sabia que ele gostava muito do presidente Kennedy, agora morto. Ouvira várias vezes ele falar que o mesmo era jovem e competente e tal. Enfim, um cara a quem admirava muito.
Bem, ele estava jogando sueca, um jogo de cartas, com os sobrinhos e amigos na casa do meu primo Zacharias, vizinho nosso, que já era casado, e que tinha promovido o jogo, com umas cervejas e tal, para comemorar o aniversário do "velho", como o chamavam carinhosamente. Todo mundo estava alegre com a companhia amiga, o jogo e, é claro, as cervejas. Cheguei esbaforido e soltei a bomba:

- Pai, acabaram de matar o Kennedy com um monte de tiros! Ouvi no rádio agorinha mesmo!

No início ninguém acreditou. Tive que jurar que era verdade. Então, levantaram e ligaram o rádio da casa, já esse era daqueles grandes, feito de válvulas, como a maioria dos aparelhos de rádio. Era verdade! O Kennedy morreu, mesmo!

Eu, todo orgulhoso estava feliz por ter sido o primeiro a dar aquela notícia importante. Entretanto, confirmada a veracidade do meu "furo de reportagem", foi uma comoção geral, como se fora um parente que acabara de ser abatido. A alegria e o jogo acabaram, e um a um foram todos cabisbaixos para suas casas acompanhar pelos próprios rádios o desenrolar daquele episódio fatídico. Ninguém me deu os parabéns, ninguém me elogiou. Minha alegria também se esboroou com toda aquela tristeza.

Exatamente 32 anos após, em 1995, realizando curso profissional na USAF, no Texas, tive a oportunidade de visitar, em Dallas, o prédio vermelho de onde o Lee Oswald atirara no presidente.
 Agora lá é um museu (Sixty Floor Museum) onde estão expostos vídeos, jornais, áudios, fotos e tudo sobre o assassinato, inclusive as conclusões da comissão Warren que investigou o caso. Tirei fotos do local e da rua onde o Kennedy fora alvejado. Cheguei a olhar pela janela de onde foram feitos os disparos e fiz até pontaria com um rifle imaginário. Constatei admirado que a rua onde se dera o crime, que nos vídeos aparece grande e larga, na verdade é uma rua secundária, pequena e sinuosa.

Enquanto circulava pelo museu, via as fotos e ouvia o áudio da primeira notícia da morte de Kennedy transmitida, fui recordando os fatos lá da minha infância quando tinha nove anos, quando tivera papel importante na "disseminação" da notícia daquela morte, ainda tão sentida pelos americanos.

Hoje, repassando na memória todo o caso, me dou conta que na ocasião, fiquei com um certo amargor ao constatar que, após ter chegado a experimentar uma fugaz alegria inicial, acabara ficando triste. Triste por me sentir responsável por acabar com a comemoração de aniversário do meu pai.

Resolvi, então, que a partir daquele dia não mais seria um portador de más notícias.