15 agosto, 2010

Futebol

 Após o aquecimento e a educação física, toda terça e quinta à tardinha, os oficiais estavam livres para praticar o esporte que mais gostava. Uns iam para o tênis, outros para o vôlei, corrida ou caminhada. Entretanto, a grande maioria ficava ali mesmo, no campo de futebol “society” para o indefectível e esperado jogo. O campo de dimensões reduzidas, sempre bem cuidado, convidava para bater uma bolinha. Logo após, era ir para o bar e beber umas cervejinhas, muita conversa e voltar caminhando para casa. As casas ficam pertinho, pois o campo é o do CASOF, o cassino dos oficiais da EEAR, localizado dentro da vila onde residem os oficiais.

O jogo disputado com um mínimo de sete jogadores, um no gol e seis na linha, normalmente deixava gente esperando, porque era muito “peruado” (procurado). Mas naquele dia, não sei explicar o porquê, não tinha jogador suficiente para começar o jogo. Faltava um jogador e todos os oficiais já tinham saído para os seus esportes favoritos. Não dava pra iniciar com aquele número. Procura um, telefona pra outro e o desânimo já começava a se instalar nos espíritos dos “fominhas” de bola, quando surge o capitão Genésio, um "antigão" especialista em avião, cruzando o campo com seu boné na sua caminhada habitual, pois ele não se identificava com qualquer outro esporte.

A turma não perdeu tempo e partiu para o Genésio, um sujeito afável e quietão, a fim de convencê-lo a completar um dos times para o jogo ser possível. Não, de jeito nenhum, ele não sabia jogar e não gostava de futebol. Que arranjassem outro, pois perdera o gosto pelo esporte desde quando se machucara numa partida havia uns bons anos. A turma insistiu, argumentou com a amizade, que ele não iria para a linha, que ficaria no gol, só pra completar. Ninguém lhe exigiria grandes defesas ou audácia e era só pra não deixar o gol vazio.

- Pô, Genésio, quebra o galho!.

Depois de muita insistência, promessas e apelos emocionais, ele concordou só pela amizade. Que ele não era goleiro e que não ficaria até tarde, tudo bem? Então tá!

Com os times completos o jogo começou e começou tranquilo, com a bola ficando mais pelo meio de campo naquele perde-ganha indefinido. Nesse ritmo o goleiro Genésio estava tranqüilo, pois raramente era solicitado numa bola atrasada ou para um tiro de meta.

O que aconteceu em seguida, até hoje gera controvérsia. Há várias interpretações dependendo de quem conta. Quando eu me lembro do fato, as cenas passam pela minha mente quadro a quadro, como em câmera lenta.

Aconteceu que lá pelo meio do jogo, numa disputa pela posse de bola, ela sobra limpa para o então tenente Rangel, oficial infante, gaúcho de Santa Maria, que jogava de beque e que não chegava a ser um craque, mas que possuía um potente chute à média distância. Pois bem, a bola sobrou limpa, como já disse, próximo à área, e o Rangel, no afã da disputa, dispara um foguete daqueles que "pega na veia" para o gol onde estava justamente o Genésio, que no momento, distraído, arrumava o boné. A bola segue veloz e acerta em cheio a barriga do pobre capitão como uma bala de canhão. Todos param sem ação e o vêem recuar uns três passos, dar umas duas voltas, pegar o boné que caíra e, sem proferir qualquer palavra, se afastar cambaleando em direção à sua casa. Ficaram sem respostas os questionamentos dirigidos a ele se estava bem, se precisava de ajuda. Ninguém se atreveu a lhe pedir, é lógico, que continuasse. O Rangel balbuciou um pedido de desculpas também ignorado, tal era o clima de consternação que se abateu no campo.

O episódio rendeu depois muitas risadas nas conversas entre os oficiais, mas nunca, nunca mesmo na frente do Genésio, que jamais tocou no assunto durante todo o tempo em que serviu na EEAR, como se tivesse apagado o ocorrido da memória.

Os jogos continuaram, é claro, mas jamais com nova participação do capitão Genésio.



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