08 agosto, 2015

O Arapiraca

Na minha turma da EEAR havia um aluno que era da cidade de Arapiraca e pelo seu visual nordestino "exótico" recebeu vários apelidos;"bicho da goiaba", "cabeça de nós todos", e outros desse naipe. Mas ficou conhecido mesmo é por Arapiraca (na realidade não lembro do seu nome de guerra!). Hoje isso seria considerado "bullying", mas naquela época era mais que comum. Afinal, quem nunca foi sacaneado um dia na sua vida de caserna? Ele também tinha um comportamento bizarro, o que contribuia e muito nessa zoação que sofria, e volta e meia nos brindava com uma das suas. Quando estávamos nós, os oriundos da vida civil, aprendendo a marchar, o sargenteante costumava colocar toda a companhia em forma e à medida que achava que tal fileira estava boa, ele a retirava do treinamento. Ora, o Arapiraca era muito descoordenado e tinha dificuldades em sincronizar os movimentos das pernas com os dos braços durante a marcha. Resultado, sua fileira ficava sempre por último a ser liberada. Isso acarretava que ninguém queria ficar na mesma fileira dele, coitado! Acho que coisa semelhante deve ter ocorrido em muitas turmas e só contei isso para mostrar a "peça".
O fato principal que quero contar ocorreu no estágio no Galeão pouco antes da formatura. Não presenciei e só soube pelos colegas de especialidade dele que relataram o caso na volta. Pois bem, certo dia, no final do expediente, o Arapiraca para dar "aquela" saída, contrariou toda a orientação e regras de segurança e atravessou à paisana a pista de pouso para deixar a base, colocando em risco a vida dele e de outros, podendo até mesmo causar um acidente aeronáutico. Bem, um suboficial de serviço viu aquilo, correu atrás dele e deu aquela "mijada" mais que merecida. O Arapiraca então, com aquela cara de pastel que tinha, virou para o suboficial, com mais de 33 anos de serviço já em fim de carreia, e disse:

- Calma aí, subão! Não esquenta! Sou 4ª série e mês que vem nós vamos ser colegas, mesmo! Talvez eu venha pra cá e poderemos até tomar umas cervejinhas enquanto trocamos experiências!

O suboficial perdeu a fala e quase teve um ataque cardíaco!

20 fevereiro, 2011

Primeira Vez no Dentista



Quando ficávamos doentes, doentes mesmo, não uma dorzinha de cabeça qualquer, uma picada de marimbondo ou uma unha arrancada por uma bela topada, íamos ao consultório do Dr. Pantoja, em Anchieta, perto da igreja de Nazaré.  Médico da família, clínico geral famoso na região daqueles antigos que quando mais moço, diziam, ia até a cavalo nas casas dos doentes que não podiam ir ao seu consultório. Eu já peguei a fase dele mais velho e que ficava mais no consultório.  Uma vez mamãe me levou nele porque achava que eu não atendia seus chamados e julgou que eu estava ficando surdo.  Ele me auscultou, olhou minha língua, ouvidos, barriga (?) e o resultado foi que em poucas semanas eu estava extraindo as amígdalas. Gostei porque na recuperação tinha que tomar muito sorvete no hospital. Pena que só serviam sabor creme.
Entretanto, um episódio que me marcou muito a infância não foi  protagonizado pelo Dr. Pantoja e, sim, pelo dentista que todo mundo ia no bairro, talvez por falta de opção e pelos preços mais acessíveis. A menção ao nome do Dr. Quírico causava temor nas crianças e adolescentes do lugar, pois as estórias do seu boticão eram famosas e suas agulhas com anestesia era tema de pesadelos na molecada que tinha os dentes careados. Na época, só se ia ao dentista para “arrancar” os panelões que estavam doendo de modo insuportável. Dentes de leite eram tirados por nós mesmos usando-se aquelas “técnicas” caseiras de amarrar  o dente e extraí-lo mediante um forte tranco. 
Bem, cresci ouvindo muitos casos sobre as idas ao consultório dos meus primos mais velhos.  Certa vez chegou meu dia de encarar a primeira ida ao consultório do Quírico, pois tinha um baita dente infeccionado  que não consegui extrair  por ter fortes raízes e o jeito era o boticão do dentista. Como era garoto e estava temeroso, a minha irmã Lila, já adolescente, que também tinha que fazer uma pequena obturação, foi comigo. Durante o trajeto ela tentava me convencer que a coisa não era tão ruim assim e que eu não ia sentir nada, uma vez que era tudo muito rápido e que quando desse por mim já estaria livre daquele dente que causava tanta dor. Eu ia querer o quê, sofrer uma dorzinha de nada e acabar logo ou ficar sofrendo dias com o dente podre?
Eu, ressabiado com aquela conversa, mas já conformado com o inevitável seguia como boi que vai para o matadouro. Chegamos ao consultório que tinha uma ante-sala com umas revistas e gibis numa mesinha cercada por cadeiras estofadas com tecido seboso que, de cara, me causou má impressão. O cheiro de anestesia que vinha da sala do dentista me causou grande desconforto e me acompanha até hoje e toda vez que chego a um consultório odontológico tudo isso me volta à mente.  
O Dr. Quírico nos recebeu e me mandou sentar na cadeira que tanto já ouvira falar. Minha irmã para me acalmar e mostrar que meu medo era sem sentido propôs ao dentista, no que foi prontamente atendida, que ela iria primeiro e faria sua obturação e que a porta ficaria aberta para eu ver que não tinha nada a temer.  Dito e feito! Com a porta entreaberta  vi  a Lila sentar-se e acenar risonha para mim.
 Legal! Fiquei mais animado e me senti mais encorajado.
 Afinal, essa turma fala demais e fica botando medo na gente!
O procedimento começa e vejo o dentista pegar uma seringa grande e um vidrinho com um líquido transparente, com certeza a anestesia. A partir daí as coisas foram ocorrendo numa sequência surpreendente e que tenho muito bem arquivadas na memória. Lila com a boca aberta inicialmente, começou a fechá-la gradualmente à medida que a seringa se aproximava, fazendo com que o dentista pedisse que a tornasse a abrir, o que ela não atendeu e ainda segurou a mão dele na qual estava a seringa. Nisso me levantei, já arregalando os olhos, para ver melhor a cena que se desenrolava a dois metros de mim. O Dr. Quírico mandou, desta vez em tom mais ríspido, que ela abrisse a boca e largasse a mão dele. Ele ia falando e ao mesmo tempo tentando livrar-se daquela mão que lhe segurava fortemente o pulso. A cara da Lila mudara completamente e aquela expressão inicial de confiança mudara para um esgar de pavor. Ela tentava sair da cadeira a todo custo e ele pedia para ela abrir a boca... “Pelo amor de Deus!”.
 Para mim aquilo já bastava. Dei meia volta e saí correndo da sala pela rua afora e só fui parar em casa. Nem respondi quando mamãe perguntou como foi e onde estava a Lila.
Apavorado, fui direto para o abieiro, lá na grimpa, no último galho onde tinha meu refúgio particular.
Quando minha irmã chegou fez queixa de mim por ter fugido com medo do consultório, o que a deixara envergonhada diante do dentista. Levei uns trompaços da velha, mas isso não foi o que mais me doeu.
É claro que tive que voltar no Dr. Quírico para extrair o dente, mas dessa vez sem qualquer ilusão e sabendo exatamente o que me esperava.





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15 agosto, 2010

Futebol

 Após o aquecimento e a educação física, toda terça e quinta à tardinha, os oficiais estavam livres para praticar o esporte que mais gostava. Uns iam para o tênis, outros para o vôlei, corrida ou caminhada. Entretanto, a grande maioria ficava ali mesmo, no campo de futebol “society” para o indefectível e esperado jogo. O campo de dimensões reduzidas, sempre bem cuidado, convidava para bater uma bolinha. Logo após, era ir para o bar e beber umas cervejinhas, muita conversa e voltar caminhando para casa. As casas ficam pertinho, pois o campo é o do CASOF, o cassino dos oficiais da EEAR, localizado dentro da vila onde residem os oficiais.

O jogo disputado com um mínimo de sete jogadores, um no gol e seis na linha, normalmente deixava gente esperando, porque era muito “peruado” (procurado). Mas naquele dia, não sei explicar o porquê, não tinha jogador suficiente para começar o jogo. Faltava um jogador e todos os oficiais já tinham saído para os seus esportes favoritos. Não dava pra iniciar com aquele número. Procura um, telefona pra outro e o desânimo já começava a se instalar nos espíritos dos “fominhas” de bola, quando surge o capitão Genésio, um "antigão" especialista em avião, cruzando o campo com seu boné na sua caminhada habitual, pois ele não se identificava com qualquer outro esporte.

A turma não perdeu tempo e partiu para o Genésio, um sujeito afável e quietão, a fim de convencê-lo a completar um dos times para o jogo ser possível. Não, de jeito nenhum, ele não sabia jogar e não gostava de futebol. Que arranjassem outro, pois perdera o gosto pelo esporte desde quando se machucara numa partida havia uns bons anos. A turma insistiu, argumentou com a amizade, que ele não iria para a linha, que ficaria no gol, só pra completar. Ninguém lhe exigiria grandes defesas ou audácia e era só pra não deixar o gol vazio.

- Pô, Genésio, quebra o galho!.

Depois de muita insistência, promessas e apelos emocionais, ele concordou só pela amizade. Que ele não era goleiro e que não ficaria até tarde, tudo bem? Então tá!

Com os times completos o jogo começou e começou tranquilo, com a bola ficando mais pelo meio de campo naquele perde-ganha indefinido. Nesse ritmo o goleiro Genésio estava tranqüilo, pois raramente era solicitado numa bola atrasada ou para um tiro de meta.

O que aconteceu em seguida, até hoje gera controvérsia. Há várias interpretações dependendo de quem conta. Quando eu me lembro do fato, as cenas passam pela minha mente quadro a quadro, como em câmera lenta.

Aconteceu que lá pelo meio do jogo, numa disputa pela posse de bola, ela sobra limpa para o então tenente Rangel, oficial infante, gaúcho de Santa Maria, que jogava de beque e que não chegava a ser um craque, mas que possuía um potente chute à média distância. Pois bem, a bola sobrou limpa, como já disse, próximo à área, e o Rangel, no afã da disputa, dispara um foguete daqueles que "pega na veia" para o gol onde estava justamente o Genésio, que no momento, distraído, arrumava o boné. A bola segue veloz e acerta em cheio a barriga do pobre capitão como uma bala de canhão. Todos param sem ação e o vêem recuar uns três passos, dar umas duas voltas, pegar o boné que caíra e, sem proferir qualquer palavra, se afastar cambaleando em direção à sua casa. Ficaram sem respostas os questionamentos dirigidos a ele se estava bem, se precisava de ajuda. Ninguém se atreveu a lhe pedir, é lógico, que continuasse. O Rangel balbuciou um pedido de desculpas também ignorado, tal era o clima de consternação que se abateu no campo.

O episódio rendeu depois muitas risadas nas conversas entre os oficiais, mas nunca, nunca mesmo na frente do Genésio, que jamais tocou no assunto durante todo o tempo em que serviu na EEAR, como se tivesse apagado o ocorrido da memória.

Os jogos continuaram, é claro, mas jamais com nova participação do capitão Genésio.



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05 junho, 2010

Camburando o Paradão

A vida militar me proporcionou várias experiências enriquecedoras, com muitas e belas recordações e outras nem tanto. Quando recordamos os tempos passados, quase sempre o que nos vem à mente são os fatos positivos em que nos damos bem, saímos bem na foto. Já as derrotas são deixadas esquecidas lá no fundo do baú das lembranças.


Pois bem, vou narrar um episódio que protagonizei enquanto aluno de escola militar e do qual não tenho orgulho.

Certa vez em 1972, quando aluno da EEAR, um grupo, eu e outros colegas da 1ª série, resolvemos “camburar” o Paradão. O Paradão era como denominávamos a parada diária, de comparecimento obrigatório para os alunos, que precedia o almoço e reunia todos os alunos para deslocamento em marcha para o rancho. Já “camburar” é um jargão da FAB que quer dizer superar, passar por cima e neste caso específico quer dizer faltar a um evento programado. A idéia era ficar escondido no alojamento e não descer para o pátio de reunião. Ora, esse grupo era muito inexperiente, pois vínhamos da vida civil e por isso éramos denominados “oriundos” (oriundos da vida civil), em contraposição aos que já eram militares, os escolados "cabos velhos", que por seu conhecimento prévio da vida militar, sabiam tirar vantagem da rotina da escola.

Bom, executamos o planejado!

Nos escondemos atrás dos armários e ficamos quietinhos. Após uns minutinhos, quem aparece no alojamento? O Sargento Rodrigues, o Caveirinha! Bem, ele era conhecido assim por impor terror aos alunos na ocasião, por sua conduta rígida na observação da disciplina e intolerância com quem prevaricava com os seus deveres.
 Ele chegou, parou no meio do alojamento e falou, com aquela voz rouca que muito nos amedrontava:

- Sei que tem uns engraçadinhos escondidos no alojamento! Estou avisando que se não se apresentarem agora e  eu tiver que pegar um por um, não sei o que vai acontecer com vocês, hein!

Ora, aquilo foi como dissesse que iria atirar para matar nos "espertinhos", garotos que não passávamos de 17 anos na época! Então todos nós saímos dos esconderijos com as mãos pra cima, como nos filmes de "cowboy". Resultado; na audiência com o comandante da companhia, o Tenente de Infantaria Uderci (com quem posteriormente servi como oficial na própria EEAR), não tínhamos qualquer justificativa e estávamos preparados para o pior (xadrez!).

Por sorte nossa, o tenente que era (e ainda é!) um cara muito legal, viu a nossa ingenuidade ao planejarmos o “grande golpe” e nos puniu com um sermão “daqueles”. Além disso, acrescentou um pernoite no final de semana sem podermos sair do quartel, o que ansiávamos durante toda a semana, já que o regime era de internato. Enfim, uma pena levíssima, que não foi nem para registro nas nossas alterações militares.

Essa foi a minha única punição na longa vida militar!

Lição aprendida. Minha carreira de "crimes" foi encerrada prematuramente.

Ainda bem!



 
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25 maio, 2010

A Cartinha do Tio Nestor

Já no final da carreira militar, em 2003, fui servir no Rio e morei na vila dos oficiais no Campo dos Afonsos. Lá conheci um Tenente-Coronel, de nome Luís Jorge, que foi meu vizinho e serviu comigo na Ilha do Governador, na Diretoria de Material Bélico. Como todos os militares da família o meu nome de guerra sempre foi BARACHO. Ora, a esposa desse meu colega, certamente ouvindo-o falar o meu nome por quase seis mêses, um dia me procurou e me contou uma história digna de um folhetim e que passo a narrar.


Primeiramente quis saber se eu conhecia e era parente de um senhor Baracho, que era eletricista e que se chamava Nestor. Eu disse que sim, mas que efetivamente não o conheci, pois não me recordava das suas feições, mas que era meu tio sim e que já morrera havia muitos anos! Ela então me disse que possuía uma carta escrita por ele à sua mãe, Léa, por ocasião do casamento desta em 10 de maio de 1947!

Perguntei por que ela possuía tal carta e que importância ela tinha para ser guardada por tantos anos. Ela aí então, abriu um estojo aveludado e me mostrou a carta em letra cursiva escrita em papel fino, em bom estado, na qual ele se desculpava por não ir à cerimônia e desejava felicidades ao casal. Reconheci logo o tipo de caligrafia que era igualzinha à do meu pai. Enfim, era uma carta comum de felicitações, mas cheia de emoção. Nela há referências bíblicas e bênçãos sinceras ao casal. No final, era assinada pelos meus dois tios, Nestor e Isabel. Ela disse que os meus tios eram muito queridos de sua mãe Léa, e que a mesma os tinha em grande consideração. Agora, o que mais me impressionou foi ouvi-la dizer, emocionada, que sua mãe sempre frisava que de todos os presentes que o casal ganhara no dia do casamento, entre roupas, móveis, cristais, jóias, etc. o que sobrara após todos aqueles anos (porque guardada com todo carinho e extremo cuidado) foi a cartinha do tio Nestor.

Ela só me deixou xerocar a carta após muita insistência e exigir também cuidado no manuseio da mesma. Ela disse que a mãe (Léa) a fez prometer guardar a carta como uma jóia familiar, pois acreditava que as bênçãos nela contidas a fizera muito feliz no casamento e na vida, e que também seria assim no seu casamento, o que ela acreditava!

Não conheci bem o tio Nestor e o que sabia dele até então é que fora um grande eletricista. O que realmente importa nesta história é que houve um momento em que ele fez a diferença para alguém a ponto de uma simples carta ser guardada por décadas, como se fora uma relíquia.

Tenho pra mim que a carta do tio Nestor foi escrita com tal carinho e sinceridade ao desejar felicidades ao jovem casal nubente, que deixou impregnada aquela carta com vibrações positivas que perduraram e perduram ainda hoje! Mesmo não tendo comparecido à cerimônia, por algum motivo que nunca saberemos, o certo é que meus tios marcaram a vida da noiva e amiga Léa, através da carta em que lhe desejavam felicidades. Sabe por quê? Ela ACREDITOU no desejo sincero contido na carta e se viu abençoada! Houve, então, uma sintonia entre a bênção desejada e a aceitação plena desses votos de felicidade pela noiva Léa!

Por isso é que, a partir desse dia, quando alguém me deseja Felicidades, Feliz Ano Novo, Feliz Natal, Saúde, Boa Viagem, Boa Sorte, Feliz Aniversário e coisas assim, eu acredito e contabilizo!

Quem sabe se não são sinceros?


Ah, também guardo comigo, embora em cópia xerográfica, a cartinha do tio Nestor!



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21 maio, 2010

Picolés Premiados

Nos tempos do ginásio, lá pelos idos de 1967, havia próximo à praça central do bairro carioca de Marechal Hermes, na rua que vai dar direto ao Colégio José Accioli, uma pequena sorveteria que vendia uns picolés caseiros a Cr$100,00 cada, o que equivaleria hoje talvez a R$1,00. Ora, essa quantia era basicamente o que dispunham muitos alunos para o gasto do dia; dava para o picolé ou uma mariola.
Essa sorveteria era, no calor do verão do Rio, uma parada obrigatória para muitos alunos. Dentre eles meu primo Luiz Antônio (infelizmente falecido precocemente na década de 80) que era um cara muito alegre, criativo e, porque não dizer... um brincalhão de marca maior! Era, porém, muito ousado nas suas brincadeiras.

O seu João, dono dessa sorveteria, para aumentar as vendas, criou uma promoção que consistia em premiar com um outro picolé quem tivesse a sorte de encontrar uma determinada marca, gravada toscamente a fogo no palito, ao acabar de saborear o tal picolé.
Ocorre que o seu João não contava com a astúcia do meu primo Luiz que, não se sabe como, conseguia marcar os palitos iguaiszinhos aos originais. Então, todo dia ele ganhava um picolé extra ao apresentar um palito premiado. Pedimos a ele pra maneirar na sorte, não ir lá todo dia. Que espaçasse mais a premiação pra não dar muito na pinta.
 Mas, qual o quê!
 Após vários dias com aquela "sorte" danada o seu João desconfiou e começou a controlar mais os palitos. Em determinado dia ao apresentar o seu enésimo palito premiado, o Luiz levou o dono da sorveteria à loucura, que o fez correr transtornado atrás do meu primo uns cem metros e que só não o pegou porque o Luiz era bom de corrida em ziguezague e o sorveteiro um pouco “robusto” demais.

Esse foi o fim dos picolés grátis do Luís Antônio e das promoções do seu João, que por vingança, aumentou o preço pra cobrir os prejuízos.

 
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12 maio, 2010

Tiros em Dallas

Nunca esquecerei o dia 22 de novembro de 1963. Sei a data porque era aniversário do meu pai, que completava 50 anos naquele dia. A tarde estava muito quente e ensolarada e eu brincava no portão de casa, descalço e só de calção, como todo moleque de nove anos daquela época.
Aproximou-se um homem numa bicicleta toda enfeitada com flâmulas do Flamengo, fitas vermelhas e pretas saindo das empunhaduras do "guidon". Estava equipada também com dois espelhinhos, um de cada lado. Achei linda a bicicleta. Queria uma assim! Só que com as cores do Fluminense, é claro!
O sujeito vinha ouvindo um rádio de pilhas, “transistorizado” como se dizia. Segurava o aparelho com uma das mãos e dirigia com a outra. De repente ele encostou a bicicleta no meio-fio e mostrou-se surpreendido com o que acabara de ouvir. Olhou pra mim e falou alto:

– Garoto, mataram o presidente Kennedy!

Ele aumentou o volume e pude ouvir o locutor, consternado, que falava em voz alterada do atentado que ceifara a vida do presidente americano. Logo em seguida disse as horas; 15h00min. Não sei porque, mas gravei bem o horário.
Nossa! Isso era importante! Então sai correndo pra contar a novidade para o meu pai, pois sabia que ele gostava muito do presidente Kennedy, agora morto. Ouvira várias vezes ele falar que o mesmo era jovem e competente e tal. Enfim, um cara a quem admirava muito.
Bem, ele estava jogando sueca, um jogo de cartas, com os sobrinhos e amigos na casa do meu primo Zacharias, vizinho nosso, que já era casado, e que tinha promovido o jogo, com umas cervejas e tal, para comemorar o aniversário do "velho", como o chamavam carinhosamente. Todo mundo estava alegre com a companhia amiga, o jogo e, é claro, as cervejas. Cheguei esbaforido e soltei a bomba:

- Pai, acabaram de matar o Kennedy com um monte de tiros! Ouvi no rádio agorinha mesmo!

No início ninguém acreditou. Tive que jurar que era verdade. Então, levantaram e ligaram o rádio da casa, já esse era daqueles grandes, feito de válvulas, como a maioria dos aparelhos de rádio. Era verdade! O Kennedy morreu, mesmo!

Eu, todo orgulhoso estava feliz por ter sido o primeiro a dar aquela notícia importante. Entretanto, confirmada a veracidade do meu "furo de reportagem", foi uma comoção geral, como se fora um parente que acabara de ser abatido. A alegria e o jogo acabaram, e um a um foram todos cabisbaixos para suas casas acompanhar pelos próprios rádios o desenrolar daquele episódio fatídico. Ninguém me deu os parabéns, ninguém me elogiou. Minha alegria também se esboroou com toda aquela tristeza.

Exatamente 32 anos após, em 1995, realizando curso profissional na USAF, no Texas, tive a oportunidade de visitar, em Dallas, o prédio vermelho de onde o Lee Oswald atirara no presidente.
 Agora lá é um museu (Sixty Floor Museum) onde estão expostos vídeos, jornais, áudios, fotos e tudo sobre o assassinato, inclusive as conclusões da comissão Warren que investigou o caso. Tirei fotos do local e da rua onde o Kennedy fora alvejado. Cheguei a olhar pela janela de onde foram feitos os disparos e fiz até pontaria com um rifle imaginário. Constatei admirado que a rua onde se dera o crime, que nos vídeos aparece grande e larga, na verdade é uma rua secundária, pequena e sinuosa.

Enquanto circulava pelo museu, via as fotos e ouvia o áudio da primeira notícia da morte de Kennedy transmitida, fui recordando os fatos lá da minha infância quando tinha nove anos, quando tivera papel importante na "disseminação" da notícia daquela morte, ainda tão sentida pelos americanos.

Hoje, repassando na memória todo o caso, me dou conta que na ocasião, fiquei com um certo amargor ao constatar que, após ter chegado a experimentar uma fugaz alegria inicial, acabara ficando triste. Triste por me sentir responsável por acabar com a comemoração de aniversário do meu pai.

Resolvi, então, que a partir daquele dia não mais seria um portador de más notícias.