12 maio, 2010

Tiros em Dallas

Nunca esquecerei o dia 22 de novembro de 1963. Sei a data porque era aniversário do meu pai, que completava 50 anos naquele dia. A tarde estava muito quente e ensolarada e eu brincava no portão de casa, descalço e só de calção, como todo moleque de nove anos daquela época.
Aproximou-se um homem numa bicicleta toda enfeitada com flâmulas do Flamengo, fitas vermelhas e pretas saindo das empunhaduras do "guidon". Estava equipada também com dois espelhinhos, um de cada lado. Achei linda a bicicleta. Queria uma assim! Só que com as cores do Fluminense, é claro!
O sujeito vinha ouvindo um rádio de pilhas, “transistorizado” como se dizia. Segurava o aparelho com uma das mãos e dirigia com a outra. De repente ele encostou a bicicleta no meio-fio e mostrou-se surpreendido com o que acabara de ouvir. Olhou pra mim e falou alto:

– Garoto, mataram o presidente Kennedy!

Ele aumentou o volume e pude ouvir o locutor, consternado, que falava em voz alterada do atentado que ceifara a vida do presidente americano. Logo em seguida disse as horas; 15h00min. Não sei porque, mas gravei bem o horário.
Nossa! Isso era importante! Então sai correndo pra contar a novidade para o meu pai, pois sabia que ele gostava muito do presidente Kennedy, agora morto. Ouvira várias vezes ele falar que o mesmo era jovem e competente e tal. Enfim, um cara a quem admirava muito.
Bem, ele estava jogando sueca, um jogo de cartas, com os sobrinhos e amigos na casa do meu primo Zacharias, vizinho nosso, que já era casado, e que tinha promovido o jogo, com umas cervejas e tal, para comemorar o aniversário do "velho", como o chamavam carinhosamente. Todo mundo estava alegre com a companhia amiga, o jogo e, é claro, as cervejas. Cheguei esbaforido e soltei a bomba:

- Pai, acabaram de matar o Kennedy com um monte de tiros! Ouvi no rádio agorinha mesmo!

No início ninguém acreditou. Tive que jurar que era verdade. Então, levantaram e ligaram o rádio da casa, já esse era daqueles grandes, feito de válvulas, como a maioria dos aparelhos de rádio. Era verdade! O Kennedy morreu, mesmo!

Eu, todo orgulhoso estava feliz por ter sido o primeiro a dar aquela notícia importante. Entretanto, confirmada a veracidade do meu "furo de reportagem", foi uma comoção geral, como se fora um parente que acabara de ser abatido. A alegria e o jogo acabaram, e um a um foram todos cabisbaixos para suas casas acompanhar pelos próprios rádios o desenrolar daquele episódio fatídico. Ninguém me deu os parabéns, ninguém me elogiou. Minha alegria também se esboroou com toda aquela tristeza.

Exatamente 32 anos após, em 1995, realizando curso profissional na USAF, no Texas, tive a oportunidade de visitar, em Dallas, o prédio vermelho de onde o Lee Oswald atirara no presidente.
 Agora lá é um museu (Sixty Floor Museum) onde estão expostos vídeos, jornais, áudios, fotos e tudo sobre o assassinato, inclusive as conclusões da comissão Warren que investigou o caso. Tirei fotos do local e da rua onde o Kennedy fora alvejado. Cheguei a olhar pela janela de onde foram feitos os disparos e fiz até pontaria com um rifle imaginário. Constatei admirado que a rua onde se dera o crime, que nos vídeos aparece grande e larga, na verdade é uma rua secundária, pequena e sinuosa.

Enquanto circulava pelo museu, via as fotos e ouvia o áudio da primeira notícia da morte de Kennedy transmitida, fui recordando os fatos lá da minha infância quando tinha nove anos, quando tivera papel importante na "disseminação" da notícia daquela morte, ainda tão sentida pelos americanos.

Hoje, repassando na memória todo o caso, me dou conta que na ocasião, fiquei com um certo amargor ao constatar que, após ter chegado a experimentar uma fugaz alegria inicial, acabara ficando triste. Triste por me sentir responsável por acabar com a comemoração de aniversário do meu pai.

Resolvi, então, que a partir daquele dia não mais seria um portador de más notícias.

8 comentários:

Unknown disse...

Com grande propriedade, você consegue relatar detalhes do fato ocorrido. O que já é motivo de tornar o leitor preso a leitura.
Quanto ao conteúdo, um primor, pois relata com grande emoção a sensação de ser um portador de uma notícia. A qual é motivo de tristesa mas com certeza um feito por ser o primeiro a falar de uma figura ilustre.
Que sensação em maridão.Cada vez mais me surpreende com relatos de estimado valor. Adorei.

Célia disse...

Sérgio, gostei muito. Com as suas lembranças eu vou ativando também as minhas que ás vezes até coincidem. A morte do Kenedy por ex.: foi muito sentida por nós todos aqui de casa. Meus pais, meus tios por parte da Mamãe, etc. As viagens de ônibus também me recordam bastante.
Sérgio eu tinha vontade até de escrever a minha história, mas não tenho mais muita coordenação com referencia as datas. Tenho muitas passagens interessantes da minha vida em família que gostaria de contar, mas sinceramente ainda não me animei, e portanto não sei se o farei. Mas espero que voce vá em frente porque está muito bom. Me agrada a leitura.

Célia Baracho Figueira

Anônimo disse...

Caro Baracho!

Muito importante esse seu depoimento, principalmente, evocando as marcas que o acontecimento lhe fez, ainda na meninice.
Agora que você já é gente grande pode se dar ao luxo de ir investigar e procurar as razões que levaram "alguém" ou a "alguéns" liquidar o pobre do Kennedy.
Se for do seu interesse enveredar por esse caminho, sugiro a leitura do livro "O Governo Secreto", de Jim Marrs, publicado pela Editora Madras.
Um abraço!

Anunnaki

Unknown disse...

Caro amigo, Baracho, parabéns pelo Blog. O texto sobre o assassinato do Presidente Kennedy está muito bem escrito e lhe traz uma recordação muito interessante.

Venancio disse...

Caro amigo Baracho,
Gostei muito do texto em que voce narra com muita propriedade o fato trágico de DALLas ocorrido em 1963 reelembrado em sua adolescência. Parabens e continue escrevendo.
Abraços
Venancio

Rangel disse...

Olá Barachinho,

Parabéns por mais um belo texto.
Muito bem desenvolvido e que realmente nos transportou aquele triste episódio da história, que comoveu o mundo inteiro, a perda de Kennedy, um estadista que tinha muito a fazer pela paz e a humanidade.
Marcante sua visita ao local dos fatos.
Continue nos brindando com seu talento no uso das palavras.
Um saudoso abraço!

Rangel

Unknown disse...

Oi Baracho
Muito bom o seu depoimento. É incrivel como uma criança guarda na memória fatos incríveis. Este seu relato me fez lembrar de um dia, bem longe em 1968, quando voltando do Acioli minha mãe me disse que o Bob Kennedy havia morrido. Lembro que chorei muito e fiquei triste por algum tempo...Coisas de criança.
Parabens pelo Blog. Fafá

oisiola2 disse...

CARO BARACHO

TEM UM CLIPE QUE CIRCULA PELA INTERNET COM A SUPOSTA MORTE DO PRESIDENTE J.F.G. KENNEDY SENDO PRATICADA POR ALGUEM
DO SEU PROPRIO SISTEMA DE SEGURANÇA ,COM O TIRO SENDO DISPARADO DE BAIXO PARA CIMA.
TAL FATO NAO PROVOCOU UMA DUVIDA EM VOCE , A LEMBRANÇA DE SUA VISITA DO LOCAL DO DISPARO CITADA EM SEU DEPOIMENTO NAO FOI QUESTIONADA AGORA EM SUA MENTE.
SERA VERDADE O VIDEO .
ABRAÇOS