05 junho, 2010

Camburando o Paradão

A vida militar me proporcionou várias experiências enriquecedoras, com muitas e belas recordações e outras nem tanto. Quando recordamos os tempos passados, quase sempre o que nos vem à mente são os fatos positivos em que nos damos bem, saímos bem na foto. Já as derrotas são deixadas esquecidas lá no fundo do baú das lembranças.


Pois bem, vou narrar um episódio que protagonizei enquanto aluno de escola militar e do qual não tenho orgulho.

Certa vez em 1972, quando aluno da EEAR, um grupo, eu e outros colegas da 1ª série, resolvemos “camburar” o Paradão. O Paradão era como denominávamos a parada diária, de comparecimento obrigatório para os alunos, que precedia o almoço e reunia todos os alunos para deslocamento em marcha para o rancho. Já “camburar” é um jargão da FAB que quer dizer superar, passar por cima e neste caso específico quer dizer faltar a um evento programado. A idéia era ficar escondido no alojamento e não descer para o pátio de reunião. Ora, esse grupo era muito inexperiente, pois vínhamos da vida civil e por isso éramos denominados “oriundos” (oriundos da vida civil), em contraposição aos que já eram militares, os escolados "cabos velhos", que por seu conhecimento prévio da vida militar, sabiam tirar vantagem da rotina da escola.

Bom, executamos o planejado!

Nos escondemos atrás dos armários e ficamos quietinhos. Após uns minutinhos, quem aparece no alojamento? O Sargento Rodrigues, o Caveirinha! Bem, ele era conhecido assim por impor terror aos alunos na ocasião, por sua conduta rígida na observação da disciplina e intolerância com quem prevaricava com os seus deveres.
 Ele chegou, parou no meio do alojamento e falou, com aquela voz rouca que muito nos amedrontava:

- Sei que tem uns engraçadinhos escondidos no alojamento! Estou avisando que se não se apresentarem agora e  eu tiver que pegar um por um, não sei o que vai acontecer com vocês, hein!

Ora, aquilo foi como dissesse que iria atirar para matar nos "espertinhos", garotos que não passávamos de 17 anos na época! Então todos nós saímos dos esconderijos com as mãos pra cima, como nos filmes de "cowboy". Resultado; na audiência com o comandante da companhia, o Tenente de Infantaria Uderci (com quem posteriormente servi como oficial na própria EEAR), não tínhamos qualquer justificativa e estávamos preparados para o pior (xadrez!).

Por sorte nossa, o tenente que era (e ainda é!) um cara muito legal, viu a nossa ingenuidade ao planejarmos o “grande golpe” e nos puniu com um sermão “daqueles”. Além disso, acrescentou um pernoite no final de semana sem podermos sair do quartel, o que ansiávamos durante toda a semana, já que o regime era de internato. Enfim, uma pena levíssima, que não foi nem para registro nas nossas alterações militares.

Essa foi a minha única punição na longa vida militar!

Lição aprendida. Minha carreira de "crimes" foi encerrada prematuramente.

Ainda bem!



 
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15 comentários:

Unknown disse...

Esse assunto se mostrou muito interessante visto a ingenuidade dos rapazes, que com 17 anos está pronto para desafiar o mundo. Mundo mais interessante ainda, no que se refere a fantasia deles é como se fossem ser alvejados, e que fantasia! Muito gostoso o texto, pois, demonstra que mesmo sendo um episódio trasngressor e amendrontador, você conseguiu fazer dele uma lição de vida. Parabéns!

Unknown disse...

É meu caro Baracho, ingenuidade ou não voce errou. Valeu a lição? É óbvio pelo desfecho, porém "naqueles tempos" não fosse o TIOZÃO UDERCI e sim o CAVALO DE AÇO ou o LINGUINHA, com certeza voce teria sofrido as consequências.

Unknown disse...

Sergio, vejo o episódio de outra forma. Claro que foi uma transgressão, e que serviu de exemplo para o futuro. Mas me diga o que um garoto de 17 anos tem na cabeça? Não penso que tenha sido algo tão horrível. Confesso que ri ao ler o seu relato. Às vezes fico ouvindo estórias de "outros oficiais" e, a sua ficaria no chinelo de tão ingenua. Pena que vcs foram pegos. Já soube de "gente" que fugiu dos Afonsos (aluno) para ir ao Maraca ver jogo, só que não foram pegos. E aí, qual episódio foi mais "errado"? Acho que voce é feliz por ter algo assim para contar e encantar "algumas" pessoas. Será que sou errada por pensar desta forma? Estou esperando outros "causos". Achei um barato esta sua ideia de resgatar essas estórias. Sou sua fã. Bjcs

Ativaer disse...

Prezado Baracho.

Esse episódio fez-me lembrar das figuras engraçadas do Caveirinha (Rodrigues), Búfalo Bill (Juarez), Amoedo e Cavalo-de-Aço (Lucas).

Todos, monumentos em nossa história de vida.


Abraços.

Henrique.

Unknown disse...

Sergio,
essa não...
Só essa transgressãozinha...
Ah não, duvido, eu te conheço...
Esse não é o Sergio que eu conheci no Accioly...
Você tá escondendo alguma coisa...
Vai lá...
Puxa pela memória e conta outra...
Hahaha...
Abraço forte!

Aurora Maria disse...

Baracho,

Como sempre, um post bom para se ler. Parabéns!

Abraços.
Aurora

Correia disse...

Baracho, o que aconteceu conosco de maneira geral é que chegávamos na Escola com 17 anos, logo a nossa juventude e suas peculiaridades (aventuras, armações e outras) foram vividas na EEAER.
Abraços
Correia

Jair Paulo disse...

Oi Baracho

Nossas pequenas armações na EEAer hoje nos fazem sorrir, mas, à época era pura adrenalina. Tambem não armei muito por la, mas lembro bem da minha primeira ida ao Rio de Janeiro. Na volta pequei aquele ônibus (acho que era o dos "veteranos" da 4ª série) que chegava depois da meia noite. O onibus nao entrava na Escola (para entrar, tinha que chegar antes das 23 horas, se nao me engano) e nos deixava na "pinguela". De lá a gente vinha a pé e ainda tinha que convencer o soldado da guarda a não nos delatar, lembra? Esse é um bom "causo" tambem. Parabens pelos escritos. Vc está se revelando um escritor muito bom. Abração.

Anônimo disse...

Caríssimo Baracho,
Gostei muito deste seu texto, mas voce está confessando somente um pecado leve como se fosse o único cometido, mesmo porque voce não tem cara de santinho não. Você deve estar ocultando muitas travessuras cometidas na EEAer.
Voce já pegou uma época boa na Escola. Tinha banho quente, TV no cassino e até piscina.
Eu sou praça de 1958.O banho era gelado não tinha TV era só estudar,estudar e estudar...
Tendo como comandante o famoso Capitão NEY NORONHA, e, aquele banho frio nos meses de maio a setembro que muitas vezes naquela época a temperatura chegava a 2 graus positivo, não preciso dizer mais nada.
Parabéns pelo texto.
Um forte abraço.

VENANCIO

Sergio Baracho disse...

O Tcel Inf Uderci Braga Silva, mencionado nesse episódio, veio a falecer no final do ano de 2012 no HASP, vítima de um câncer de intestino. Tive a oportunidade de encontrá-lo lá semanas antes e relembrar aqueles tempos e até este texto pra ele que já estava abatido com a doença. Ele ficou muito alegre ao recordar passagens daquela época na EEAR. Fui um dos últimos amigos da FAB a conversar com ele. Morreu ainda jovem com 64 anos. Grande perda.

Canarinho 70 disse...

Curioso com significado da palavra camburar, direto ao google, encontrei seu blog; - jóia rara que historiza como os jovens de ontem, poderiam servir de exemplo aos jovens de hoje. Muitos passaram 30 anos nas fileiras da FAB em atividades estritamente voltadas para a aviação civil e militar, sem nunca ter se envolvido nas ditas mazelas, generalizadas, de ações de tortura. É um despautério julgar todos por ações de poucos e que não representam a caserna, que eu tive a honra de passar.
"Tive o privilégio de ter sido aluno da EEAr, onde ingressei em 68; - ano em que as opções do mercado de trabalho era idêntica a de hoje(jun 2015). O que um jovem com curso profissionalizante do SENAI iria conseguir emprego? Opção de qualquer jovem brasileiro daquela época, apesar de um concorrido concurso para 300 vagas em 30 mil candidatos. Aprendi muito nessa "academia" e principalmente, honrar e ter orgulho de ter sido aluno da EEAr. Dali fui catapultado para outras atividades, para o mercado de profissionais brasileiros. O curso de engenheiro eletrônico era uma ambição altruísta e visava conseguir fazer parte do projeto do governo militar de criar o maior centro especializado do país. Que pena! Acabaram com o projeto e seus quase 400 engenheiros treinados pelo mundo afora e que foram absorvidos por vários países. Mas valeu, pude contribuir em muitos projetos de pleno sucesso no nosso país."

Curvêlo disse...

Muito legal, Baracho! De fato, todos temos uma boa história para contar e boa parte delas envolve essa ingenuidade, essa inocência juvenil que a passagem das décadas torna jocosa apesar do susto passado à ocasião.
Sempre muito deliciosas suas leituras, Amigo!
Seu Fã
Aluno 77-1183 - Curvelo
https://www.facebook.com/groups/veteranoseear/

Sincero disse...

Grande TCel Uderci. Ninguém o esquece pelo tamanho da bondade e compreensão. Lamento a morte ainda cedo deste exemplo de pessoa.

Sergio Baracho disse...

Ontem, 02JUL19, faleceu outro personagem dessa história. O grande Rodrigues, o Caveirinha, nos deixou aos 87 anos após problemas de saúde.

Unknown disse...

Ótima lembrança. Eu quando cheguei tinha um sargento que era amigo do meu pai e me conseguiu algumas benesses. Tinha também um amigo já na quarta série que queria me emprestar o quinto A para eu sair durante a quarentona. Imagine 17 anos de quinto A 4a série fugindo durante aquele período. Tudo planejado, não vive coragem de sair.
Esta é bem leve!
Abraços a todos!