20 fevereiro, 2011

Primeira Vez no Dentista



Quando ficávamos doentes, doentes mesmo, não uma dorzinha de cabeça qualquer, uma picada de marimbondo ou uma unha arrancada por uma bela topada, íamos ao consultório do Dr. Pantoja, em Anchieta, perto da igreja de Nazaré.  Médico da família, clínico geral famoso na região daqueles antigos que quando mais moço, diziam, ia até a cavalo nas casas dos doentes que não podiam ir ao seu consultório. Eu já peguei a fase dele mais velho e que ficava mais no consultório.  Uma vez mamãe me levou nele porque achava que eu não atendia seus chamados e julgou que eu estava ficando surdo.  Ele me auscultou, olhou minha língua, ouvidos, barriga (?) e o resultado foi que em poucas semanas eu estava extraindo as amígdalas. Gostei porque na recuperação tinha que tomar muito sorvete no hospital. Pena que só serviam sabor creme.
Entretanto, um episódio que me marcou muito a infância não foi  protagonizado pelo Dr. Pantoja e, sim, pelo dentista que todo mundo ia no bairro, talvez por falta de opção e pelos preços mais acessíveis. A menção ao nome do Dr. Quírico causava temor nas crianças e adolescentes do lugar, pois as estórias do seu boticão eram famosas e suas agulhas com anestesia era tema de pesadelos na molecada que tinha os dentes careados. Na época, só se ia ao dentista para “arrancar” os panelões que estavam doendo de modo insuportável. Dentes de leite eram tirados por nós mesmos usando-se aquelas “técnicas” caseiras de amarrar  o dente e extraí-lo mediante um forte tranco. 
Bem, cresci ouvindo muitos casos sobre as idas ao consultório dos meus primos mais velhos.  Certa vez chegou meu dia de encarar a primeira ida ao consultório do Quírico, pois tinha um baita dente infeccionado  que não consegui extrair  por ter fortes raízes e o jeito era o boticão do dentista. Como era garoto e estava temeroso, a minha irmã Lila, já adolescente, que também tinha que fazer uma pequena obturação, foi comigo. Durante o trajeto ela tentava me convencer que a coisa não era tão ruim assim e que eu não ia sentir nada, uma vez que era tudo muito rápido e que quando desse por mim já estaria livre daquele dente que causava tanta dor. Eu ia querer o quê, sofrer uma dorzinha de nada e acabar logo ou ficar sofrendo dias com o dente podre?
Eu, ressabiado com aquela conversa, mas já conformado com o inevitável seguia como boi que vai para o matadouro. Chegamos ao consultório que tinha uma ante-sala com umas revistas e gibis numa mesinha cercada por cadeiras estofadas com tecido seboso que, de cara, me causou má impressão. O cheiro de anestesia que vinha da sala do dentista me causou grande desconforto e me acompanha até hoje e toda vez que chego a um consultório odontológico tudo isso me volta à mente.  
O Dr. Quírico nos recebeu e me mandou sentar na cadeira que tanto já ouvira falar. Minha irmã para me acalmar e mostrar que meu medo era sem sentido propôs ao dentista, no que foi prontamente atendida, que ela iria primeiro e faria sua obturação e que a porta ficaria aberta para eu ver que não tinha nada a temer.  Dito e feito! Com a porta entreaberta  vi  a Lila sentar-se e acenar risonha para mim.
 Legal! Fiquei mais animado e me senti mais encorajado.
 Afinal, essa turma fala demais e fica botando medo na gente!
O procedimento começa e vejo o dentista pegar uma seringa grande e um vidrinho com um líquido transparente, com certeza a anestesia. A partir daí as coisas foram ocorrendo numa sequência surpreendente e que tenho muito bem arquivadas na memória. Lila com a boca aberta inicialmente, começou a fechá-la gradualmente à medida que a seringa se aproximava, fazendo com que o dentista pedisse que a tornasse a abrir, o que ela não atendeu e ainda segurou a mão dele na qual estava a seringa. Nisso me levantei, já arregalando os olhos, para ver melhor a cena que se desenrolava a dois metros de mim. O Dr. Quírico mandou, desta vez em tom mais ríspido, que ela abrisse a boca e largasse a mão dele. Ele ia falando e ao mesmo tempo tentando livrar-se daquela mão que lhe segurava fortemente o pulso. A cara da Lila mudara completamente e aquela expressão inicial de confiança mudara para um esgar de pavor. Ela tentava sair da cadeira a todo custo e ele pedia para ela abrir a boca... “Pelo amor de Deus!”.
 Para mim aquilo já bastava. Dei meia volta e saí correndo da sala pela rua afora e só fui parar em casa. Nem respondi quando mamãe perguntou como foi e onde estava a Lila.
Apavorado, fui direto para o abieiro, lá na grimpa, no último galho onde tinha meu refúgio particular.
Quando minha irmã chegou fez queixa de mim por ter fugido com medo do consultório, o que a deixara envergonhada diante do dentista. Levei uns trompaços da velha, mas isso não foi o que mais me doeu.
É claro que tive que voltar no Dr. Quírico para extrair o dente, mas dessa vez sem qualquer ilusão e sabendo exatamente o que me esperava.





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16 comentários:

ligia disse...

É interessante a forma de expressar os momentos marcados pelo medo infantil... É claro muitos de nós carregamos eles até hoje e por isso que dentista tem significado de desconforto. isso está bem destacado na descrição do cheiro da anestesia. Rico texto.
Adorei

Anônimo disse...

Gostei!

oisiola2 disse...

COM SUA CITAÇÃO AO DR PANTOJA , QUE POR NOME LOGO ME LEMBREI SER O DR QUE ATENDIA AS MINHAS PRIMAS DENISE E MARIA DE FÁTIMA ALÉM DE MINHA SAUDOSA TIA DAGMAR (MÃE DAS MENINAS)RECORDEI DO NOSSO DR LÁ EM NILÓPOLIS O ANTONIO SALEMA MÉDICO DOS BÃOS CLINICAVA PRA TUDO .
DE DENTISTAS NÃO ME LEMBRO DE NENHUM DE NILÓPOLIS NÃO , MAS DE UM ATENDIMENTO JÁ QUANDO EU MORAVA NO MEIER EM 1965 ME LEMBRO SEMPRE QUANDO O DR PAULO PERICE QUASE TEVE O SEU DEDO DECEPADO NUMA BATALHA CONTRA UM DENTE MEU. A UNS 4 ANOS ATRAS AO ATENDER UM TELEFONEMA NA CASA DE MINHAS TIAS EM ME IDENTIFICANDO AO INTERLOCUTOR ESTE SE LEMBROU DE MIM : ERA O DR PAULO PERICE JÁ PASSADOS UNS 35 ANOS DO FATO ACONTECIDO , O ATENDIMENTO FOI DOLOROSO PARA NÓS DOIS.

Jean Chad disse...

Idas ao dentista, o interessante é que seu conto não é muito diferente do medo de quem vai pela primeira vez. Acho que essa é a história da vida de todos rs. Ótimo conto, mas sem novidades, acho que os dentistas tinham que se atualizar para por mais medo rs.

Papera disse...

Caro Baracho,
mais uma vez nos brindando com o seu dom literário.
Acho que tive muita sorte por não ter sido necessário extrair qualquer dente até hoje.
O mais engraçado, neste momento, é que essa sua estória veio coincidir com uma "geral" que estou fazendo no meu equipamento triturador e que amanhã iniciarei tratamento de canal em um pré-molar (será que tem hífem ainda...me corrige aí, se não tiver).
Não dava prá esperar um pouquinho prá contar essa estória, Sergio!!!
Alguém contou prá você...só pode!!!
Mas olha...de qualquer forma, achei bem interessante a sua narrativa, porém, como o conheço bem, gostaria de ver aqui a versão da sua irmã...hahaha...
Forte abraço!

Célia disse...

Devo dizer que o Dr. Oclides Pantoja eu conheci bem, eramos clientes dele.Era nosso médico da maior confiança. cuidava desde minha avó Laura até as minhas irmãs. Agora esse dentista (Dr.Quirico) não
o conheci. Marilia é que disse ter ido lá uma vez só. Achei interessante o seu medo. Tia Deninha deve ter ficado por conta contigo. Eras medroso, hein...
Célia

Arruda disse...

Mas, e a Lila?
Hehehehe!
abçs

Carvalho Neto disse...

Adorei pois também fui "vítima" do mesmo Dentista e até hoje tenho pavor de Dentista, pelo sofrimento doloroso e desgasate financeiro...kkkkkk
até o cheirinho de cravo da índia que tem no consultório odontológico sinto "dor de barriga"...kkkk ainda está registrado...kkkkk
Dr Pantoja (pai) cuidou do meu avô, até a morte.
O Dr Pantoja (filho) cuidou de mim e do meu irmão, nós morávamos em Portugal Pequeno hoje Vila União em São Matheus...rs

Denise Bap disse...

Conheci e muito o dr Oclydes de Aguiar Pantoja ( consultório na rua Motorista Luiz de Abreu 521 e residência na rua José Lourenço 188). Era médico e amigo da nossa família materna. Era padrinho. de um dos meus primos. Dos meus 11 primos , só minha irmâ não nasceu com ele. Estudei na Escola Paraíba com uma das filhas dele – Lucia Pantoja.
Ele faleceu de um tombo ao subir no ônibus (bateu com a cabeça no alfalto)

Não conheci o Dr Quirino. Em Nilópolis também tinhamos um dentista amigo – Sergio Cardoso. ( Aloísio estudou com um dos filhos dele no Accioli)

Denise Bap disse...

Corrigindo : Dr Quirico

oisiola2 disse...

OI SÉRGIO BARACHO
A MINHA MEMÓRIA AUXILIAR ( MINHA PRIMA DENISE)ALERTOU ME QUE O DR SALEMA ERA LÁ NO MEIER E NÃO EM NILÓPOLIS COMO CITEI , LÁ FOI O DR THALES , E AGORA LENDO AQUI O COMENTÁRIO DELA TAMBÉM ME VEIO A LEMBRANÇA O DENTISTA DR SÉRGIO CARDOSO O FILHO ESTUDOU LÁ NO ACCIOLI COMIGO.

Correia disse...

Conheci toda a família do Dr pantoja, Jaci, Iraci, etc, Morei ao lado da casa deles na rua Macaíba 142.
Quanto ao Dr Quírico era conhecido em Anchieta!
Minha irmã nasceu nas mãos do Dr Pantoja.
Abraços
Correia

Eni Baracho disse...

Oi! Sérgio. Não conheço tal dentista, porém conheci bem Dr. Pantoja.
Ele, quando consultava minha avó eu gostava de ficar olhando com certa curiosidade . Já que todas a vezes que ia à nossa casa para a consulta a cena era a mesma; seu comportamento para crianças não podia ser considerado o melhor. Chegava muito sério e não dava bola para os
familiares do paciente.Ficava exclusivamente com muita seriedade,
voltado para os problemas da paciente .Colocava em sua cabeça um pano branco grande e começava ascultar as costas da minha avó. Devo dizer que tinha medo dele. Era muito sério e um pouco estranho. Após colocado o pano branco em sua cabeça e o paciente em correta
posição dizia assim: -Vá falando 33 a cada contato com o ascultador
até quando eu disser para parar. A cena parecia com algumas passagens do livro de Eça de Queirós em o Primo Basílio.Do jeito que
chegava saía. Preparava a receita e nem tchau para os parentes, os
quais estavam bastante preocupados com os sintomas, desejando trocar qualquer informação a respeito da saúde da paciente. Sabe, hoje ou já algum tempo quando tinha que justificar falta no trabalho pensava
que tal forma era esquisita. Justifica-se: por motivos de saúde e não de doença. Bem são coisas da medicina.
Agora, quanto ao dentista Dr.Quirico, Fernando o conheceu bem. Inclusive tinha uma filha que faleceu jovem em um desatre aéreo na Serra do mar. Ela era geóloga caiu o helicópetero em que estava por motivos da profissão e seu corpo não foi achado.
Será que a página vai dar? Não entendo de computador.
Agora vou contar o causo do falecido Zacarias(neto) quando foi ao dentista pela primeira vez. Chegou ao consultório e já havia muita gente. O seu pavor era tanto que quando chegava a sua vez ia dando sua vaga ao próximo da fila e assim sucessivamente. Quando chegou
a hora do último paciente, ele tão cavalheiro também cedeu a vez.
Como tinha uma recomendação especial o Dr. dentista chamou pelo Zacarias e cadê o garoto. É certo que não estava em cima da árvore mas teve um boa caga.........
e nunca mais voltou.

Sua madrinha

Paulo Turazzi disse...

Sérgio,

Gostei de lembrar de dois personagens de nossa infância. Dr. Pantoja e Dr. Quírico. Acho que tínhamos uma galeria de tipos e personalidades em nossa infância que, se for bem explorada, vc pode rivalizar com o Gabriel Garcia Marques. Continue escrevendo e monte a coletânea de Anchieta. Abç.

Laura pantoja disse...

Quanta emoção ao ouvir essas histórias..
Sou Laura Pantoja filha do Dr Pantoja..
Belas lembranças .

Unknown disse...

Que orgulho ler isso.
Sou Jéssica Pantoja Pinheiro.
Neta do Dr oclides Aguiar Pantoja.